Alexandre O’Neill: o poeta multifacetado que unia ironia e ternura

Poeta, publicitário e boêmio inveterado, Alexandre O’Neill completaria amanhã, dia 19 de dezembro, um século de vida. Nascido em Lisboa, deixou uma obra marcada pela irreverência, criatividade e um olhar crítico sobre a sociedade portuguesa, sem nunca perder a sua capacidade de autocrítica.

No seu soneto “Auto-Retrato” , O’Neill descreve-se com a ironia que se aplicava ao mundo à sua volta, se fosse para tratar da mediocridade da ditadura salazarista, dos domingos monótonos de Lisboa ou dos casamentos sufocados pelo hábito. Numa célebre entrevista ao Jornal de Letras em 1982, afirmou: “Sem pieguice, digo-lhe que sempre sofri Portugal, tanto no sentido de não o suportar como no sentido de o amar sem esperança.”

Filho de uma família lisboeta, Alexandre nasceu em 1924, na Avenida Fontes Pereira de Melo. Era neto de Maria O’Neill, escritora reconhecida por sua coragem e liberdade, qualidades que influenciaram o jovem Alexandre. Sua infância, passada entre a casa das avós e brincadeiras como andar de triciclo, moldou o imaginário do futuro poeta.

A paixão pelo surrealismo e a ruptura artística

Na juventude, O’Neill encantou-se pelo surrealismo, movimento que encontrou em 1947, lendo os manifestos de Breton. Em 1948, integrou o Grupo Surrealista de Lisboa, ao lado de figuras como Mário Cesariny e António Pedro. A experiência influenciou profundamente sua obra, mesmo após seu afastamento do grupo.

Dessa fase, destaca-se o poema “Um Adeus Português” , inspirado em sua relação interrompida com Nora Mitrani, por quem era profundamente apaixonado. O poema, uma das peças mais emblemáticas da sua produção, reflete a sua crítica à mediocridade da sociedade portuguesa sob a ditadura.

Crítica social e autodepreciação

Uma obra de O’Neill, muitas vezes irônica e mordaz, não se limita à sátira. Poemas como “Portugal” e “Os Velhos de Lisboa” revelam um profundo sentido de crítica, sem poupar o próprio autor. Ao contrário de escritores como Eça de Queirós, que olhou o país de cima, O’Neill ria de si mesmo, participando das contradições que criticava.

Seu talento, no entanto, transcendeu a poesia. Trabalhou em publicidade, criando slogans marcantes como “Há mar e mar, há ir e voltar” . Também colaborou com jornais e participou de programas de TV, tornando-se um nome popular em seu tempo, algo raro entre poetas.

Uma vida de paixões e desafios

Alexandre foi um homem de muitos amores, casando-se duas vezes e sendo pai de dois filhos. Sua vida, marcada pela intensidade, iniciou um declínio com problemas de saúde na década de 1970. Morreu em Lisboa, em 1986, aos 61 anos, deixando um legado literário que ainda reverbera.

Com sua obra, Alexandre O’Neill permanece como um dos grandes nomes da literatura portuguesa, símbolo de criatividade, irreverência e sensibilidade, sempre fiel ao lema que estampou em sua trajetória: “Tomai lá do O’Neill” .

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