Aline Abreu Santana
COLUNISTA
Embaixadora da Divine Académie Française des Arts Lettres et Culture. Doutora Honoris Causa pela Academia Mundial de Letras e Empreendedorismo, Professora de Português e Literatura e atua como palestrante internacional e pesquisadora em educação e tecnologias educacionais.
Rubião e Domingos: O preço da fortuna
Na literatura brasileira, a trajetória de Rubião em “Quincas Borba” simboliza a fusão entre inocência e ambição que tanto permeia o imaginário social. O personagem, saído de uma posição modesta e alçado subitamente à opulência graças à herança de Quincas Borba, revela como o poder do dinheiro pode cegar e submeter suas vítimas a um círculo de bajuladores. A narrativa machadiana se desenrola com ironia: Rubião, preso à crença na fartura ilimitada, é envolto em um turbilhão de gastos e falsas promessas. Seu fim trágico, marcado pela perda não só de bens materiais, mas também de sua sanidade, evidencia a fragilidade daquele que confunde fortuna com estabilidade.
Esse enredo literário encontra eco em casos reais, como o de Antônio Domingos, cuja trajetória reflete, de forma quase trágica, a de Rubião. Em 1983, aos 19 anos, Domingos saiu da casa inacabada onde morava com a mãe na Bahia para se tornar um milionário da noite para o dia ao ganhar um prêmio de loteria equivalente a R$30 milhões. Subitamente transportado para um universo de luxo, hospedou-se na suíte presidencial de um hotel de Salvador e passou a viver como um verdadeiro monarca sem coroa. Cercado por falsos amigos e aproveitadores, entregou-se a festas extravagantes, carros abandonados pelo simples capricho de não trocá-los, roupas novas que substituíam qualquer necessidade de lavar as antigas e jantares fartos oferecidos a desconhecidos.
Cegos pelo fascínio do dinheiro fácil, tornaram-se exemplos vivos da ironia do destino.
Assim como Rubião, que se iludiu com a ideia de poder e prestígio, Domingos acreditou que sua fortuna jamais teria fim. No entanto, sem planejamento e sem a noção de que dinheiro não se multiplica sozinho, ele viu sua riqueza se dissolver em menos de cinco anos. Aos 24 anos, já sem nada, precisou retornar à mesma casa modesta de onde havia partido, agora sem ilusões e sem qualquer segurança financeira. Se Rubião perdeu a sanidade ao final de sua jornada, Domingos perdeu tudo o que um dia acreditou possuir. Ambos, cegos pelo fascínio do dinheiro fácil, tornaram-se exemplos vivos da ironia do destino e da efemeridade da riqueza quando mal administrada.
A relevância de se comparar a ficção machadiana a fatos concretos está na compreensão do aspecto efêmero da riqueza. Com frequência, a literatura parece antecipar o comportamento humano, ilustrando situações que, embora fantasiosas à primeira vista, encontram ampla correspondência na realidade. Ao fazer essa leitura paralela, percebemos que o fascínio provocado pela fortuna pode seduzir mentes despreparadas, levando-as a acreditar na eternidade de algo que não se mantém por si. O deslumbre inicial dá lugar ao abandono e às consequências de decisões mal planejadas.
Olhando além das páginas do romance, esse caso comprova a força da obra literária como meio de refletir sobre a condição humana. Tanto na ficção quanto na vida real, a ausência de planejamento e o excesso de confiança resultam em um desfecho amargo. Logo, a lição que se extrai é clara: a literatura, mesmo não oferecendo garantias de sucesso a quem a estuda, pode servir como um espelho. E esse espelho reflete, sobretudo, a necessidade de prudência, de senso crítico e de moderação na administração de qualquer ganho súbito. Afinal, o fascínio imediato pode ser apenas o primeiro passo rumo ao vazio.
Por ALINE ABREU SANTANA