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No passado, quando os animais ainda falavam, o Brasil debatia sua posição no mundo. Muitos acreditavam que o planeta era dividido entre metrópoles e periferias: um núcleo desenvolvido e um vasto conjunto de países subdesenvolvidos, com um centro branco e margens pardas, pretas e amarelas.
A grande questão era como superar o atraso histórico. Acelerando ou avançando aos poucos? Por meio de reformas estruturais ou de ajustes modernizadores? Seguindo a lei ou rompendo com ela? Era melhor imitar as metrópoles ou unir forças com os periféricos?
Com o golpe de 1964, os tempos mudaram. Quando as toupeiras finalmente saíram de suas tocas, o debate havia tomado outro rumo: o Brasil era agora um país “em desenvolvimento”, preso em um eterno limbo. O progresso virou miragem.
Apesar disso, a admiração pelas metrópoles persistiu, firme e inabalável. Ser reconhecido internacionalmente — ganhar um Oscar, Nobel, ou mesmo a Copa do Mundo — permanece como objetivo nacional, simbolizando a superação do complexo de inferioridade.
É por isso que o lançamento de “Roberto Schwarz and World Literature”, editado pela respeitada Palgrave Macmillan, é motivo de celebração. Com 12 ensaios e 433 páginas, o livro não apenas destaca o impacto de Schwarz, mas também se aprofunda na literatura mundial — um campo que ganhou visibilidade desde que Goethe cunhou o termo Weltliteratur, posteriormente explorado por Marx e Engels.
Reconhecido por intelectuais de peso como Perry Anderson — que o considera “o maior crítico dialético desde Adorno” — e Franco Moretti — que o define como “o maior crítico marxista do nosso tempo” —, Schwarz é celebrado por sua abordagem única. Ele combina rigor teórico com ironias machadianas e reflexões profundamente conectadas ao materialismo histórico.
O livro não se limita ao Brasil, mas aplica as ideias de Schwarz a contextos globais. Oded Nir analisa um romance sobre os territórios ocupados da Palestina. G.S. Sahota investiga alegorias em urdu. Rebecca Karl reflete sobre o socialismo na China maoísta, enquanto Nicholas Brown conecta Beethoven a Ferreira Gullar, em uma jornada intelectual que culmina no pensamento de Schwarz.
Com ousadia e coerência, os ensaios deste volume provam que as ideias de Schwarz transcendem fronteiras e tempos, reafirmando sua relevância. Ainda em atividade aos 86 anos, Schwarz continua expandindo seu legado, seja por meio de sua peça Rainha Lira, que mistura Shakespeare e Brecht, ou de seus ensaios sofisticados na New Left Review.